Hoje meu avô faria 105 anos. Faria, conjugação do verbo fazer, futuro do pretérito indicativo, terceira pessoa do singular. Ahh, e tão plural ao mesmo tempo. Como caber no singular alguém que foi (que é) tão importante assim? E eu não estou falando só do médico pneumologista, antitabagista ferrenho, pioneiro no tratamento da tuberculose, colunista do Jornal Estado de Minas, professor catedrático da UFMG. Não, eu estou falando do avô que comprava Toblerone pra mim quando eu ia dormir na casa dele, sexta sim sexta não. Aquele que jogava dominó comigo depois do Jornal Nacional (e ai de mim se conversasse nessa hora, ouvia um belo de um “shhh!”). E – sim – estou falando do avô que me levava na extinta Sorveteria Touché aos domingos, e por lá tecíamos nossa cumplicidade de neta e avô. E que também me buscava no seu voyage branco com cheirinho de novo (quase não saía da garagem) para irmos ao Palácio das Artes, ouvir Nelson Freire. (A essa hora os dois devem estar trocando ideias sobre música, ao lado da pianista polonesa mais linda que ele já conheceu na vida: minha avó. E ele deve estar repetindo, como incansavelmente repetia: “Eu acredito em Deus e em Bach!”).
Há o tempo verbal e o tempo do coração. Este não cessa nunca, é rio corrente que jamais muda o curso, torrente de emoção desaguando em mim e em todos aqueles que vieram depois. (Ah, meus filhos, uma pena vocês não terem conhecido o Biso Zé. Pelo menos ganharam essa foto com eles, montagem da vovó Clara que quase me matou de emoção.)
Passei hoje na rua onde você morou tantos anos, vô. No lugar da casa, um prédio alto. Desmanchei andar por andar no meu pensamento e lá estava eu, de volta, do alto dos meus 12 anos, dependurada no portão doida pra te ver. (Muitas vezes voltava frustrada pra casa, porque você religiosamente desligava a campainha quando ia dormir.)
Passei hoje na Clínica (passei e fiquei, o expediente hoje vai até às oito!) e fiquei olhando para a placa que leva seu sobrenome, homenagem mais linda que a gente podia prestar não só a você, mas a cada um dos nossos clientes. Com amor à psicologia, às pessoas, ao cuidado e ao acolhimento, a Feldman segue de vento em popa por aqui, vô. O que não falta é trabalho.
Pois hoje vai ter festa no céu. Orquestra de Bach, fettuccine a carbonara, picolé Chicabon de sobremesa. E a gente vai repetir a música e o cardápio por aqui, presenteando você com essas pequenas coisas da vida que são tão grandes e tão preciosas. Pequenos momentos de grande felicidade, sempre digo por aqui.
Parabéns, vô. Te levo sempre comigo.
Clara Feldman says
Ah, filha, você me fez chorar…E anota aí, não era Chicabom, era Eskibom! E não FARIA, não, tá fazendo! ❤️
Renata Feldman says
Ah, mãe, choro daqui também. Quanta saudade. Quanta emoção, até me atrapalhei com o tempo verbal. Está certíssima, é no tempo presente que a gente celebra a vida dele.
Corrigido a tempo, bem lembrado, vou agora mesmo comprar uma caixa de Eskibon! ❤️
Regina pimentel says
Que emocionante esse depoimento,Renata,a medida que vc ia descrevendo,fui acompanhando passo a passo a trajetória dessas lembranças tão lindas e representativas na sua vida.
Eu conheci dr José e dona Bella,casal maravilhoso.
Renata Feldman says
Que alegria ter você aqui, Regina, trazendo seu carinho e cumplicidade por tê-los conhecido também. Gosto ainda mais de você ao saber disso!
Abraço carinhoso, volte sempre! 🌷