Nove da noite. O casal está sentado na sala, o noticiário dando as piores notícias, força do hábito. Ele tenso, calado, uma long neck ao alcance transpirando gelada. Ela reticente, distante, um olho na TV e outro no marido, olhando de soslaio.
Cada um no seu quadrado, cada qual com suas mentes inquietas, perturbadoramente falantes.
Se fosse possível ler pensamento, seria isso o que você leria:
“- Ele está estranho… Nem me olha, não conversa, não notou que eu cortei o cabelo… Tá diferente!… Acho que ele tem outra. Acho não. Tenho certeza.”
Na cabeça dele:
“- De hoje não passa, decisão importante, coração vai explodir!… Não me decepciona, timão, não me decepciona, hoje é tudo ou nada! Vamos ganhar de virada!”
Essa historinha é clássica, você já deve ter visto circulando por aí nas redes sociais. E é mais real do que você imagina. Não necessariamente esta história, mas tantas outras em que “ler o pensamento” acaba acarretando muitos desencontros. É fato.
Quantas cenas como essa você já assistiu na vida? O marido tenso com o futebol; a mulher irritada com a sua dança agitada de hormônios; o chefe explodindo porque a conta não fecha; a amiga sumida porque o trabalho acumulou; o vizinho deprimido que passa por você e não te cumprimenta; o zap não respondido; entre tantas outras cenas que você acaba não apenas percebendo, mas interpretando, e na grande maioria das vezes a seu desfavor. (Faça-me o favor!…)
Como num filme, você vai lá e acaba colocando precipitadamente a legenda. Ponto. Só que muitas vezes essa legenda não corresponde à verdade dos fatos, mas à SUA verdade. E essa verdade equivocada te faz sofrer, por antecipação ou em vão. (Essa não.)
Quer saber realmente o que se passa? Vai lá, compartilha a long neck, olha nos olhos e pergunta. Conversa. Dá um beijo. Pergunta o que houve (se é que houve…). Aproxima. Exterioriza. Diz um oi. Bom dia. Te amo. Tô com medo. Tô te achando estranho. Tô te achando linda. Mais emoção e menos interpretação. Mais simplicidade e menos complicação. Vai lá, sô. E torce pro timão fazer gols, muitos gols.
andre says
Tocer pro Timão fazer gols só se estiver jogando contra o cruzeiro.
Bom mesmo é torcer pro Galão.
Renata Feldman says
Rs! Taí um pensamento que a gente não precisava fazer o menor esforço para adivinhar ou ler… Tá estampado na testa, na camisa, nesse seu coração apaixonadamente atleticano!
“Nem pensei” que você ia escrever isso, acredita?!… Rs
Cesar Vieira says
Isso mesmo, prezada Renata. Temos que abrir o jogo e mantê-lo cada vez mais compartilhado. Afinal de contas, a companhia do casal só tem sentido se for bem transparente e afetuosa. Obrigado e parabéns por mais este post valioso. Cordialmente, Cesar
Renata Feldman says
Obrigada você, Cesar, pelo depoimento precioso, bonito de se ler e de se ver, na prática.
“Abrir o jogo”, como você disse, é mais importante que ganhar o jogo.
Grande abraço!
Vera Mesquita says
Sim. Quanto sofrimento seria evitado se não déssemos tanto crédito à imaginação, criando legendas as mais variadas e desencontradas. Que falta faz uma conversa, um afago, um elogio… para descomplicar, clarear e amenizar a vida diária! Menos insegurança, por favor!
Parabéns, Renata!
Beijos!
Renata Feldman says
Você me fez lembrar de uma frase que adoro, Vera, de Santa Teresa D’Ávila: “a imaginação é a louca da casa”! Perfeita, não?
E é isso mesmo o que a loucura faz: nos rouba o discernimento, nos tira do eixo!…
Beijo, minha querida!
Regiane says
Adorei 🙂
Renata Feldman says
Obrigada, Regiane!
Seja bem-vinda, volte sempre.
Patrícia Mourão says
Muito bem querida, mais uma vez, com muita clareza, você descreve uma situação cotidiana que tantas vezes leva a embasamentos desnecessários aos relacionamentos de todas as ordens. Com carinho e delicadeza! Parabéns!
Renata Feldman says
Ahhh, que alegria!… Você por aqui, deixando o blog mais bonito!…
Muito obrigada, querida. Sua presença é um verdadeiro presente.
Seja bem-vinda e volte sempre!
Cidinha Ribeiro says
Ah, Renata, viver é tão simples, diz você. E não é?
Ah, se todos fossem iguais a você…
Mas a gente vai aprendendo, devagarinho, como convém aos teimosos, os sofrentes por hábito e gosto.
Um dia, quem sabe? a gente ganha leveza e aprende a pisar de mansinho, a falar baixinho, a ouvir mais e falar menos, a conversar olho no olho, a ficar de mãos dadas, a passear, a brincar.
Um dia, quem sabe?
Renata Feldman says
É, Cidinha, a gente é que complica!…
Que bom que o que não falta nessa história é aprendizado. A gente tropeça, cai, levanta e recomeça. Tudo de novo. Até deixar a leveza chegar chegando, ensinando o melhor caminho.
Adoro conversar com você por aqui!
Muitos beijos!