O que passa na sua cabeça enquanto desliza os olhos por aqui, respirando uma pequena pausa pra pensar na vida?
E quando se vê diante de situações que não pediu pra viver? A perda do emprego, o término da relação, uma doença grave, a separação dos pais, o zero na prova de matemática, desentendimentos familiares, falta de dinheiro, a dor constante e crônica, a traição de um amigo?
Ok, vamos ser um pouco mais otimistas, ninguém merece tanta nuvem negra assim. Feche os olhos, mude de ares e responda: o que passa na sua cabeça quando aquela tão sonhada viagem acontece, quando o seu chefe anuncia que você vai ser promovido, quando recebe um pedido de casamento, quando o timão faz gol, quando a cirurgia é um sucesso, quando o quinto exame de beta hcg finalmente dá positivo ou quando aquela velha amiga simplesmente te liga para saber se está tudo bem?
“O que passa na sua cabeça” é a tônica de “Divertidamente”, mais um delicioso filme da Disney Pixar feito para crianças de 8 a 80. Nele, uma menina de 11 anos – Riley – passa por mudanças significativas quando seus pais decidem juntar as malas e morar em São Francisco. Dentro da cabeça de Riley, fazendo alusão a toda uma química cerebral que nos toca, há um verdadeiro painel de controle comandado por algumas emoções básicas, que ganham forma, cor e vida através das personagens centrais do filme: Alegria, Tristeza, Medo, Raiva, Nojinho.
A Alegria tem sua luz própria, cheia de energia e encanto: serelepe e saltitante, faz malabarismos para ver Riley sorrir. A Tristeza se arrasta num desânimo só, capaz de contaminar o ambiente: é lenta e pesada, uma perfeita desmancha-prazeres. O medo se encolhe, se esconde, mas sempre aparece na hora de proteger a menina de algum susto. O mocinho engravatado que representa a Raiva é vermelho, nervoso e cospe fogo, como não poderia deixar de ser. E a Nojinho é o que faz a menina rejeitar coisas estranhas, intoxicantes e verdes, como o pobre do brócolis.
Mas não é só dentro da cabeça da menina que as emoções se encontram e desencontram. Os adultos também são flagrados no filme pelos pensamentos que vira e mexe passeiam pelo nosso cérebro. Como na hora do jantar, em que a mãe de Riley percebe que a filha está chateada (o primeiro dia de aula na nova escola não foi nada bom) e começa a conversar com ela, tentando ajudá-la. Ham ham… E o pai, onde está essa hora? Na mesa, sentado de frente pra filha, mas com o pensamento looooonge, adivinha onde? No futebol, claro. E nessa hora, sem pestanejar, as coloridas figurinhas que também compõem a sala de comando da mãe emitem um irônico comentário: “Foi esse aí que escolhemos no lugar do piloto carioca?”
Fazendo jus ao fascinante universo da mente humana, o filme nos conduz a uma descontraída viagem por tudo o que rola lá no cérebro: nossas memórias de longo e curto prazo, a terra da imaginação, o departamento responsável pela produção de sonhos e pesadelos, os amigos imaginários e os pilares que formam nossa personalidade: o pilar da Família, da Amizade, da Honestidade e da Graça que atravessa a nossa infância (as macaquices do pai, as brincadeiras da mãe, o riso do palhaço, o aconchego gostoso que vem dos domingos em família no parque).
Pra terminar, um parágrafo especial dedicado à Tristeza. Sim, essa emoção que você sente de vez em quando (ou de vez em sempre) e que se pudesse ficaria livre dela de uma vez por todas. Não é raro ouvir pessoas no consultório dizerem:
– “Renata, hoje estou triste.”
– “O que houve?”
– “Estou triste porque estou triste. Eu queria estar alegre.”
Assim como na vida real, em Divertidamente a Alegria é sempre esperada, valorizada, tem cadeira cativa com almofada de veludo na sala de comando. E ai se alguma coisa sair do controle: ela vai lá e dá um jeito, mesmo que à custa de muita confusão e peleja. A Tristeza, coitada, simplesmente não tem vez: é negada, desprezada, evitada a todo custo.
E aí é que o desfecho do filme nos presenteia com a surpresa mais linda e tocante, mostrando que os roteiristas mergulharam fundo na psicologia e nas emoções humanas não só para nos divertir como também nos fazer pensar. (Se você ainda não assistiu, dê uma pausa por aqui. E volte depois, para prosear sobre o que passa na sua cabeça e também no coração.)
Sim, a tristeza é mais importante do que você imagina. Essa emoção tem vez, tem lugar, tem motivo de ser. Mesmo sendo lenta, pesada, sem graça, é ela que nos acorda para a vida. É ela que nos paralisa e nos move, mostrando que algo está fora do lugar, que a vida não vai bem. É ela que une, desata, explode em choro até ser socorrida por aqueles que mais nos amam e nos querem bem.
Sim, é permitido ficar triste, e é bom que as crianças saibam disso. Assim como o feijão, a tristeza também faz crescer e ficar forte.
Bem-vinda, Tristeza, com todas as letras e recursos invisíveis, embora transformadores, de nos trazer de volta a alegria perdida.
Cidinha Ribeiro says
Li e gostei muito, Renata. Pois é, bem-vinda, Tristeza! Ela mostra que estamos focados, que não temos cabeça de vento. Afinal de contas, viver é não é mole, não. (Com alegrias entremeadas, por favor, vida!) Beijos, querida.
Renata Feldman says
Isso aí, Cidinha. Mais uma vez vem de você um comentário cheio de levez para um assunto que – mesmo com todas as cores e graças – é muito pesado.
Não temos cabeça de vento nem coração de pedra, graças a Deus!
Beijos cheios de alegria!
Aline says
Assisti na pré-estreia com as crianças! Roteiro impecável, inteligente e “diverte a mente” divertidamente! Bjo Rê
Renata Feldman says
Ah, e como precisamos divertir nossa mente, Aline!… Um refresco pra nossa criança interior, que também é gente!…
Beijo, querida!