Tem coisas que você não se lembra mais. Tem coisas que grudam na memória como Super Bonder. Super doídas, absurdamente vivas, capazes de arrancar pedaço e tirar o sono. Tem gente que se pergunta como é que a ciência ainda não inventou a pílula do esquecimento. Quem dera esquecer o trauma, o susto, a dor que decidiu não parar de doer.
E quem é que disse que precisa de ciência para apagar a memória?
Basta ser gente. Basta ter um cérebro, um nome, um RG, uma família, um endereço para se esquecer de tudo. (Ou quase tudo.)
Foi assim que aconteceu com a Tia Zirinha. Parênteses: tia iluminada, querida, que desde o início não titubeei em adotá-la como minha. Tia do meu marido, madrinha de casamento, fada madrinha. Jamais vou me esquecer da sua energia, do seu afeto, da sua abundante força e alegria.
Não consegui disfarçar minha tristeza quando soube que o Alzheimer tinha lhe feito uma visita. Mal-educado, esse mal que parece estar na moda. Nem sequer foi convidado, chegou de surpresa. Arrombou a porta, armou acampamento, entrou na vida dela sem pedir licença. Será que veio para apagar da memória coisas pesadas e difíceis que ela teve que viver? Ouso pensar que o Alzheimer vem com o propósito de dar uma trégua, um apagão a quem já sofreu muito um dia, e carrega lembranças de entortar a alma. Mas não. Não combina com a fibra e a luz dessa mulher que sempre teve um entendimento especial da vida. “Se vivi, é porque tive que viver, minha filha. Nada é por acaso.”
No aniversário de um cunhado também muito querido, me encontrei com ela pela primeira vez depois da doença. Tiveram que “apresentá-la” para mim. Sua afilhada virou uma simpática desconhecida. Ao afilhado ela olhou com carinho e disse:
– Não te conheço, mas você é um moço bonito. Homem bom. Precisa arrumar uma moça boa para se casar.
(…)
Se já estava emocionada, foi aí que chorei mesmo.
(…)
Mas emocionante mesmo foi o reencontro dela com a filha que estava morando nos Estados Unidos há anos. Carinhosa feito a mãe, Walquíria telefonava todos os dias, interurbano de longa distância e um oceano inteiro de amor ligando as duas. Fazia isso como um ritual, mesmo sem garantia de que a mãe a identificasse ou reconhecesse, pois a memória já falhava inclusive com os filhos.
Quando chegou ao Brasil, a mãe estava dormindo, mas a voz inconfundível que vinha da cozinha foi como despertador. Despertamor.
Sem estranhar tão ilustre visita, olhou a filha nos olhos, passou a mão no seu cabelo, deu um sorriso seguido do abraço mais doce que podia dar na vida e disse:
– Minha filha!…
O “minha filha” mais lúcido, amoroso e cheio de discernimento para alguém que não se lembra mais onde mora, qual o seu nome, quantos anos tem.
Line says
renatinha! Como já me conhece, sabe que terminei de ler este post em lágrimas… muito lindo o amor!! Muito lindo os laços, o afeto, a vida é muito linda!
Renata Feldman says
Te conheço mesmo querida, e sei o tanto de emoção que mora aí.
A lindeza dessa vida foi feita pra ser vivida.
Beijos, saudades!
Anonymous says
Não consigo expressar tamanha foi minha emoção ao ler seu post, e vê-las lado a lado nesta foto.
Tia Zirinha puro amor, Wal minha irmã estamos juntas.
Rê, sua luz e vibração transcendem a um entendimento maior,capaz de descrever cada momento de uma maneira doce e real. Realidades da vida que batem a nossa porta sem nos avisar.
Só posso agradecer a Deus por vc existir,e fazer a diferença em nossas vidas.Nossos laços são para sempre.Te amo!
SOL
Walkiria Silva says
Meu amor, queria neste momento poder ter este dom maravilhoso que Deus lhe deu para expressar-te a minha emocao ao ler as tuas palavras.
Voce e muito especial e querida.
Obrigada por teu carinho, te amo muito!
Wal
Renata Feldman says
Laços de vida, Sol. Que são mesmo como um presente para todos nós.
Beijos carinhosos, também te amo muito!
Renata Feldman says
Você tem o dom, Wal querida. O dom de amar da maneira mais bonita.
Beijos carinhosos, também amo você e essa mãezinha linda que você tem.
Jussara Rodriguez says
Muito obrigado por essa homepages linda que voce fez a mamae Renata. Estou eu aqui sentada na aula de karate do Gabriel e enchugando minhas lagrimas. Muito emocionante e maravilhosa suas palavras e verdadeiras. Voce e uma pessoa muito especial! Que Deus continue te iluminando sempre para Que voce possa continuar nos presenteando com palavras tao lindas e sabias. OBRIGADO!!!
Renata Feldman says
Jussara querida, eu é que agradeço pela existência da sua mãe na nossa vida!
Muito obrigada pelo carinho!…
Beijos, saudades!
Thais says
Acredito que todos que vivem ou viveram com esses amores, esses momentos de alegrias e tristezas ao mesmo tempo não tem como conter as lágrimas de emoção. Relembrar cada momento que tivemos com ela…Minha eterna e querida Tia Azirinha…. Minha mãe quase postiça porque qualquer semelhança é mera coincidência com minha mãe…
Muito obrigada Renata com suas palavras e facilidade em transpor nossas emoções em palavras….
Acompanho suas entrevistas, post’s etc… Parabéns.
Renata Feldman says
Thaís querida,
Que alegria compartilhar esta emoção com você!
Só quem tem uma tia como essa sabe do que estamos falando, não é?
Beijos carinhosos, volte sempre!
Rita says
ah! minha vozinha 94 anos…após se responsabilizar pela alegria de cada filho, 12 filhos,após criar todos com muita dignidade e trabalho suado, respeitoso;após perder 9 dos filhos,meu avô(…)repentinamente esse mal lhe apartou a memória.Mas o caso dela é repentino e temporário: costura, faz crochê, colcha de retalhos e retoma a memória e faz-se mais lúcida do que qualquer um de nós,pelos filhos que lhe restaram e, principalmente pelo filho caçula ainda estar todos os dias lhe dando o maior carinho do mundo,remédio de hora em hora, banho, leite quentinho, sopinha na boca, muitos beijos e carinho… em um de seus momentos de maior lucidez, ela pediu à Nossa Senhora que lhe desse uma marca no rosto em nome do seu amor pela vida, pela sua família e a resposta foi uma mancha em seu rosto…um dia perguntei à ela sobre aquela mancha, em que tal procurarmos uma dermato…ela me contou a história!…não larga seu terço, mesmo quando” o tal” chega sem pedir licença. Licensa por você me ouvir. Um beijo.
Claudia Lemos says
Você é especialmente incrível!!! Suas palavras transmitem tudo com perfeição….É um privilégio ter você tão perto de nossas vidas!!! Obrigada por ser essa jóa em nossas vidas….Beijos…..
Renata Feldman says
Que lindeza, Rita!…
Seu depoimento veio cheio de emoção!…
Obrigada pela visita, volte sempre!…
Beijo!
Renata Feldman says
Claudia querida,
Eu é que sou privilegiada por ter vocês na minha vida!…
Beijos carinhosos, saudades!
Amilson says
Simplesmente obrigado,
não tenho palavras, mas um carinho especial
Amilson
Renata Feldman says
Não tem que agradecer nadinha, Amilson. Sua mãe é um presente na vida da gente.
Abraço
Rita de Cassia Ribeiro says
Quanta emoção vc me transmitiu Renata, há tempos não lia algo tão comovente!
Grande abraço.
Sua mais recente leitora e fã,
Rita de Cássia
Rita de Cassia Ribeiro says
Quanta emoção Renata!Há muito tempo não lia algo tão comovente, talvez por minha querida mãe estar como a sua madrinha…
Abraços da sua mais recente leitora e tb admiradora,
Rita de Cássia
Renata Feldman says
Querida Rita de Cassia,
Fico feliz pela identificação positiva que causei em você e por ter compartilhado essa emoção. O coração precisa mesmo disso!…
Muito obrigada pela visita, seja bem-vinda!
Um abraço!